Sinestesia
Se eu soubesse falar 74 idiomas —
— em todos os 74, eu falaria com você.
Por horas a fio, madrugada adentro;
dividindo sonhos e segredismos e sutilezas e absurdos
[tão nossos]
enquanto assistimos ao nascer do sol
bebendo xícara atrás de xícara de café.
[“eu simplesmente não consigo parar de te ouvir falar”, você diz.]
Em uma dessas inúmeras madrugadas insones,
seguraria a sua cabeça entre as minhas mãos,
[com o costume de quem já conhece o seu peso]
e diria:
“Eu te amo, eu te amo, te amo, amo tanto você”
— cada vez num alfabeto diferente.
Cobriria as suas pálpebras com a minha boca,
a medida que sussurro, gentilmente,
toda sorte de curiosos estrangeirismos
e canto músicas de amor gringas
fora do tom.
Se eu desse a volta ao mundo —
— em todos os 266 países, eu te procuraria.
É difícil não procurar pelo seu cheiro
se é no espaço
entre o seu pescoço e seus ombros
em que mais me sinto
em casa.
Sentiria
[imaginaria]
o seu perfume
em cada esquina, cada brisa murmurada,
em cada travesseiro que afundasse a cabeça.
Em cada cama que deitasse — tatearia
buscando seu corpo, adormecido,
ao meu lado.
Nos curtos segundos que antecedem
o alarme do seu despertador,
[anunciando, a cada manhã, a hora da realidade]
costumo desenhar, com as pontas dos dedos nos seus ombros nus,
as rotas e caminhos que já percorri nesse planeta
— e a cartografia realmente lhe cai muito bem.
[meu bem,]
Se eu escrevesse uma centena de livros —
— detrás de cada palavra minha, o seu fantasma moraria em segredo.
Oculto, disfarçado, furtivo,
clandestinamente
brincando de esconde-esconde.
[feito uma criança
cuja hora de dormir há muito já se passou]
Poesia alguma seria capaz de retratar com precisão
a forma como seus olhos
escorrem mel
cada vez que você me perscruta,
ao som de uma gnossienne de Satie.
Nem a fábula mais fantasiosa descreveria
como meu sorriso se abre
em forma de lua
toda vez que meus lábios se encontram com os seus.
É que, por um ansioso segundo,
espio por entre pálpebras semicerradas
em busca do seu olhar
[tão seu, da cor do pôr-do-sol da Bahia]
e encontro, em vez disso,
a paz do amante entregue.
Se eu perdesse cada um dos meus cinco sentidos,
meu bem,
eu ainda lembraria do seu gosto,
do seu cheiro,
do seu toque,
da visão de ti caminhando até mim,
do som da sua voz.
Pois todos os meus sentidos funcionavam perfeitamente,
até que você chegou e me apresentou
ao êxtase psicoide
do amor de sinestesia.